A
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão
que condenou a Golden Cross Assistência Internacional de Saúde
Ltda. ao pagamento solidário de indenização por danos morais a uma
segurada e seu marido, por erro médico na interpretação de um
exame de ultrassonografia com translucência nucal (TN). A médica,
funcionária de uma clínica de radiologia credenciada da operadora
de plano de saúde, apontou, como resultado do exame, que o feto
poderia ser portador de Síndrome de Down. Porém, após novos
exames, constatou-se que o feto era normal e não apresentava nenhuma
síndrome cromossômica. Seguindo o relator, ministro Marco Buzzi, a
Quarta Turma afirmou que o STJ tem posição clara no sentido de
reconhecer a responsabilidade solidária entre a operadora de plano
de saúde e o hospital (ou clínica) conveniado ou credenciado, em
casos de má prestação de serviço, pelos prejuízos daí
resultantes para o contratante do plano. A
ação: A
segurada, o marido e a filha, ainda por nascer, ajuizaram ação de
indenização contra o Centro Radiológico da Lagoa, do Rio de
Janeiro, e a Golden Cross, pedindo a condenação das empresas ao
pagamento de indenização por danos morais a ser fixada
judicialmente, em virtude de erro médico ao interpretar erroneamente
uma ultrassonografia com TN. Embora tenha rebatido todas as alegações
dos autores na ação de indenização, o centro radiológico acabou
firmando um acordo, homologado judicialmente, com a segurada e o
marido. O trato culminou na extinção do processo. A ação contra a
operadora de plano de saúde prosseguiu. O juízo da 37ª Vara Cível
da comarca do Rio de Janeiro julgou improcedente a ação
indenizatória, entendendo ser inviável a ocorrência de abalo
psicológico da filha, ainda não nascida à época dos fatos. Além
disso, o diagnóstico de existência de anomalia teria surgido das
conclusões da segurada e do marido, já que nada nos autos
contribuiu para que se inferisse que a médica houvesse aventado essa
possibilidade. Por fim, o juiz considerou que o acordo celebrado
entre os autores e o devedor solidário é proveitoso ao outro, e por
isso extinguiu a obrigação. Os autores apelaram da sentença. O
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) proveu parcialmente o
pedido para condenar a Golden Cross a pagar a quantia de R$ 6 mil,
dividida em partes iguais entre eles e corrigida monetariamente. “A
falha na prestação de serviço, concernente a diagnóstico que
indicou equivocadamente feto portador de anomalia genética, enseja o
dever de reparação moral”, concluiu o tribunal estadual. Tanto os
autores quanto a operadora do plano de saúde recorreram ao STJ.
Contestações:
A
segurada e o marido defenderam a majoração da verba indenizatória,
ao argumento de que fazem jus à integral reparação do dano, não
sendo razoável a fixação em R$ 6 mil, tão somente por ter sido
este o valor do acordo que levou à extinção do processo em relação
ao centro radiológico. Eles se insurgiram contra a rejeição do
pedido de indenização em relação à filha, argumentando que o
bebê ainda no ventre materno, já dotado de personalidade jurídica,
passou por “dor, sofrimento e constrangimento o suficiente para ter
sua vida ameaçada e colocada em risco”. Por fim, defenderam que a
correção monetária e os juros de mora devem incidir desde o evento
que causou o dano e não a partir da decisão de segundo grau, por se
tratar de débito decorrente de ato ilícito. A Golden Cross, por sua
vez, sustentou que o tribunal fluminense foi omisso, pois embora
instado, deixou de se manifestar quanto à existência de dívida
comum, notadamente porque o valor pretendido pela segurada deveria
ser arbitrado judicialmente. Quanto ao mérito da questão,
argumentou que, “inexistindo cobrança de valor certo ou
determinado, a título de indenização por danos morais, jamais se
poderia afirmar que a transação celebrada entre os recorridos e a
primeira ré compreenderia pagamento parcial da dívida”. Ambos os
recursos foram rejeitados. Responsabilidade
solidária: O
relator, ministro Marco Buzzi, destacou que, se o contrato é fundado
na prestação de serviços médicos e hospitalares próprios ou
credenciados, no qual a operadora de plano de saúde mantém
hospitais e emprega médicos ou indica um rol de conveniados, não há
como afastar sua responsabilidade solidária pela má prestação do
serviço. Para o ministro, a transação realizada entre o codevedor
solidário e o credor somente enseja a extinção da dívida em
relação aos demais devedores se a referida contratação abarcar a
dívida comum, como um todo. Diversamente, caso a quitação
decorrente da transação referir-se apenas a parte da dívida, os
demais devedores permanecerão vinculados ao débito, solidariamente,
descontado, contudo, o valor do pagamento parcial. Acordo:
Quanto
ao acordo firmado entre os autores e o centro radiológico, Marco
Buzzi ressaltou que o instrumento particular de transação, conforme
reconhecido pelo Tribunal de origem, não deixa margem de dúvida
acerca da abrangência do pacto, consignando expressamente que o
acordo teve por finalidade encerrar o conflito de interesse existente
entre as partes contratantes, tão-somente, “perdurando assim o
litígio somente em face da Golden Cross”. O relator destacou ainda
que, conforme preceitua o artigo 843 do Código de Processo Civil, os
termos de uma transação devem ser interpretados restritivamente.
Nessa medida, os direitos declarados ou reconhecidos em tal
contratação produzem efeitos em relação às partes nela
envolvidas, sem beneficiar ou prejudicar terceiros que dela não
fizeram parte (res
inter alios acta).
“Atendo-se
aos termos pactuados, não se afigura possível estender os efeitos
da quitação conferida ao devedor solidário – relativa, única e
exclusivamente, à sua quota-parte da dívida em comum – ao
codevedor que, na transação, não interveio”, acrescentou.
Indenização:
Segundo
o ministro, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que “o
nascituro, ainda que considerado como realidade jurídica distinta da
pessoa natural, é igualmente titular de direitos da personalidade
(ao menos, reflexamente)”. Assim, ele é merecedor de toda a
proteção do ordenamento jurídico, destinada a garantir o
desenvolvimento digno e saudável no meio intrauterino e o
consequente nascimento com vida. Dessa forma, reconhece-se a
possibilidade, em tese, de o nascituro vir a sofrer danos morais,
decorrentes da violação da dignidade da pessoa humana, desde que
estes, de alguma forma, comprometam o seu desenvolvimento. No caso,
contudo, segundo o relator, não se pode falar em dano moral
suportado pelo nascituro, pois, no dia seguinte ao recebimento do
resultado do exame com a informação equivocada quanto à síndrome
cromossômica, a mãe foi submetida a novo exame que descartou esse
diagnóstico. “Não
se olvida, tampouco se minimiza, o abalo psíquico que os pais
suportaram em virtude de tal equívoco, dano, contudo, que não se
pode estender ao nascituro”, entendeu. Para ele, o erro não pôs
em risco a gestação nem repercutiu na vida da criança, após seu
nascimento, visto que os exames que poderiam acarretar riscos à
gravidez não foram feitos. O valor também foi um ponto mantido pelo
relator. Segundo ele, não há razão lógica para que os pais
considerem justo e razoável o valor de R$ 6 mil para que a clínica
quite sua parte da obrigação, mas entendam irrisório tal valor em
relação à devedora remanescente. Além disso, o valor arbitrado,
no total de R$ 12 mil, não é ínfimo, mas “razoável e
proporcional aos danos suportados, guardadas as peculiaridades do
caso”. Correção
monetária: Por
fim, sobre a correção monetária fixada pelo TJRJ, o ministro Buzzi
ressalvou que o vínculo que une as partes e do qual decorre o dever
de indenizar é de natureza contratual, razão pela qual os juros
moratórios referentes à reparação por dano moral, incidem a
partir da citação. “A correção monetária do valor da
indenização pelo dano moral dá-se a partir da data em que restou
arbitrada, no caso, por ocasião da prolação do acórdão que
julgou a apelação”, afirmou.
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